2023-04-05 | Cultura
Um roteiro pela história do Traje Maiato feminino.
Literalmente da cabeça aos pés, fazemos-lhe a descrição completa e detalhada das histórias, curiosidades e caraterísticas deste traje tão único.
A MULHER DA MAIA
Eça de Queiroz, Arnaldo Gama, Luís de Magalhães, Ramalho Ortigão e Júlio Dinis, são alguns dos autores que fizeram referência à Mulher da Maia nas suas obras literárias. Camilo Castelo Branco, em “Quatro horas inocentes” escreveu “Assim era conhecida Maria n´aquella terra de Maia, onde há moças formosas, e tantas que não sei de terra portugueza onde olhos de homem, pouco dado a contemplações seráficas, possam regalar-se mais”.
Mas a mulher maiata não se distinguia apenas pela beleza singular ou porte distinto. A mulher descrita por todos os autores, era a mulher que trabalhava de sol a sol no campo ou nos afazeres domésticos; a mulher que chegava à cidade para vender nos mercados, os produtos hortícolas, o leite, as galinhas; a mulher que carregava, à cabeça, as trouxas de roupa lavada; a mulher que vendia pinhas.
A Mulher que contribuía para o seu sustento e dos seus. Era a mulher da Maia; mas não a proprietária rica nem a dama das grandes quintas.
Era a mulher lavradeira, a que ia para a faina do campo, e após horas de trabalho, ainda percorria longos caminhos para vender os seus produtos nos mercados do Porto e de Vila do Conde.
Também as suas caraterísticas físicas foram mencionadas na literatura; diziam Barão de Forrester e Ramalho Ortigão, que a mulher maiata é espadaúda, possante, temperamental, elegante e atraente.
Desembaraçada nas mondas do milho, no arranque do linho e do feijão, ou do joio do trigo, trabalhava descalça, de saia de linho azul enfaixada, tingida em casa, e também roçava mato nas devesas para as cortes do gado.
Participava nas desfolhadas, nas malhadas, nas ceifas, nas espadeladas, na fiação e tecelagem do linho, nas lavouras e nas sementeiras, nas vindimas e até nas pisadas de uvas. De enxada em punho, sachava o milho, ao lado do marido ou das jornaleiras, ou de quem viesse ajudar na labuta.
Mas a mulher maiata também era, tal como hoje, Mãe e não deixava essa tarefa para mais ninguém; em determinadas alturas parava, para dar de mamar ao “cachopo que dormia num cesto de vime à sombra da carvalheira grande”.
USOS E COSTUMES
Traje da Criada de Servir ou Carreteira
A mulher descalça, com saia de riscado e blusa de chita às pintinhas, lenço (ou chapéu) na cabeça, outro pelas costas, igualmente de chita: foicinha ao ombro, corda a segurar a saia, ancinho, sachola ou mangual às costas.
Nas orelhas, umas pequenas argolas.
Traje da Lavadeira e Leiteira
Blusas e saias sem adornos, colete e lenços de algodão na cabeça.
Traje das Filhas do Lavrador
A filha usa saia de estopa tingida em casa, com três fitinhas pregadas no rodapé, porque a saia de linho era apenas para levar a fornada ao moinho ou a merenda ao campo.
Nas orelhas, umas argolas de ouro, maiores que as da criada.
Traje de Patroa
A patroa apenas ia algumas tardes sachar, ao lado do marido, com os criados e jornaleiros. Usava saia de linho tingida de azul, faixa preta nas casadas e vermelha nas solteiras (pela cor da faixa via-se o estado da mulher ou do homem). Por baixo da saia usava um saiote vermelho e, por cima da blusa, um colete de ajustamento com atacadores.
Traje de Romaria
Chinelos e meias brancas rendadas, saia de baeta preta, com barra de veludo; na cabeça e pelas costas, o tradicional lenço de merino ou ainda, o chapéu maiato redondo, com duas fitinhas brancas pendentes, e com gravados de veludo à volta, com vidrilhos ou lentejoulas e um espelho na frente, sobrepondo um lenço branco de bibenete ou filó de três pontas. Avental preto ou de cor, igualmente com vidrilhos ou lantejoulas com entremeios de renda: à cabeça, a tradicional “condessa”, com os bolinhos de bacalhau para o farnel ou merendeiro.
Nas orelhas, umas pequenas arrecadas.
Traje de Feira
Saia de chita listada ou gorgorina, blusa também de chita ou riscado, avental com entremeios e bordados à volta: algibeira de remendos, atada à cinta, cesta no braço com os ovos ou galinhas e açafate ou giga de cana à cabeça para transportar as hortaliças ou cereais da sua lavra.
Traje para os Atos religiosos
A mulher calça tamancos de verniz de meio tacão, com meias brancas rendadas, saia de armur ou gorgorão, com barra preta de veludo em baixo.
Em dias festivos, blusa branca trabalhada, com folhos, ou vestido preto de armur com ramagens, lantejoulas ou vidrilhos, chinelos de meio tacão, ou sapatos baixos de verniz.
Pelas costas, um lenço de seda de cor clara para as missas de festa, e roxo para a quaresma ou missas de “requiem”; na cabeça uma pequena echarpe e, nas orelhas, brincos de pingentes ou meias-libras.
Traje Lavradeira para a romaria
A mulher vai de saia ou vestido de armur lavrado e de casaquinho de brocado, de veludo ou astracã preto. Na cabeça, um lenço de seda natural, branco, amarelo ou rosa: na quaresma, de cor roxa.
Traje de Noiva
A noiva usa um vestido de seda com peitilho, folhos brancos rendados ou saia de armur. Também se usa a saia preta e blusa branca, creme ou rosa, trabalhada conforme as classes sociais. Sapatos pretos de verniz, de meio tacão, com fivela ao lado tipo colegial, luvas brancas rendadas e na mão um ramo de flores de laranjeira.
Na cabeça uma mantilha branca rendada ou chapéu de aba larga, tipo “capelines”, com rede pela frente, conforme a sua classe social.
Traje de Juíza da Festa
Vestido preto de seda lavrada, sapatos de verniz, meias rendadas brancas e uma tocha acesa na mão, com o laço da cor adequada ao ato. Na cabeça, um comprido véu de tule branco.
Traje de Lavradeira Rica
Sapatos pretos de verniz, com tacão, vestido de seda com peitilho folhado e trabalhado, meias de seda natural e, na cabeça, um artístico chapéu redondo de palhinha, com duas fitinhas atrás. Ao pescoço, um trancelim com um medalhão. Na mão, luvas rendadas de meios-dedos, segurando uma saquinha rendada creme, rosa ou azul claro: ou ainda uma vistosa bolsa cravejada de pedrinhas ou contas.
Para a missa, usava uma pequena capa (capotilha) e para as festas solenes, uma grande capa preta até à altura da saia, com um escapulário de bico comprido, de borla na ponta (tipo toga de juiz), e na cabeça, um lenço de seda, chapéu de cerimonia ou um grande véu.
CURIOSIDADES
A Maia Antiga compreendia uma circunferência que ia do Rio Ave ao Rio Douro e mais tarde do Ave no Leça e do Oceano Atlântico Monte Córdova (Santo Tirso).
O LENÇO DE MERINO (usado na Grande Maia) deve o seu nome aos carneiros Merinos; uma espécie rara que, após a tosquia, proporcionava uma lã fina, adotada para o fabrico destes lenços.
O Lenço de Merino foi trazido para as Terras da Maia, em meados do século XIX, pelas criadas de servir, que do Alto Minho, vinham para a Maia à procura de trabalho. Por isto mesmo, desde cedo, começou a fazer “uso e costume”, principalmente nas classes mais desfavorecidas. A mulher da Maia foi adotando as cores do Lenço de Merino através dos tempos, conforme as suas crenças religiosas ou míticas e até por incidência do ambiente rural e segundo a posição geográfica e telúrica da sua região.
O Lenço de Merino era usado nas seguintes cores:
Águas Santas e Gueifães
O lenço usava-se com um fundo azul invocando a cor da bandeira das Conquistas e da Fundação da Nacionalidade, do Castelo de Águas Santas, bem como a cor do vestido da sua Padroeira, Nossa Senhora do Ó, a cor do vestido de Nossa Senhora de Guadalupe, de Nossa Senhora da Vandoma, padroeira da vizinha Cidade do Porto e Nossa Senhora da Saúde, de Gueifães.
Silva Escura, Gondim e S. Mamede de Coronado
Usava-se também o lenço com fundo castanho, porque era uma zona de transição com Santo Tirso e segundo a crença do povo, era a cor do vestido de S. Bento do Convento de Santo Tirso e a cor do Santo António da Maia, que se venera em Silva Escura, na sua capelinha, no monte do mesmo nome.
Folgosa, S. Pedro de Fins e S. Romão de Coronado
Usava-se o amarelo seco das áridas escarpas e estepes do Monte Córdova, S. Miguel-o-Anjo e Serra de Valongo, bem como das loiras espigas de trigo das extensas searas do Vale de Coronado.
Barca e Nogueira
Optaram pelo fundo dos seus lenços em cor preta ou roxa, cujo critério foi baseado na Paixão e Morte do Senhor dos Passos e da cor da Sua Túnica, utilizada nas tradicionais procissões que se realizam nas referidas freguesias.
Santa Maria de Avioso, S. Pedro, Guilhabreu e S. Cristóvão do Muro
Prevalecia nos seus Lenços de Merino a cor vermelha, significando o sangue dos Mártires, S. Pedro, S. Sebastião e do herói D. Gonçalo Trastamires, avô de Gonçalo Mendes da Maia (O Lidador) que foi morto numa peleja, ao pretender defender o Castelo de Santa Maria de Avioso (Santo Ovídio).
S. Miguel da Maia, Vermoim, Milheirós e Leça do Balio
Adotaram o Lenço com fundo branco e arabescos verdes, lembrando as águas cristalinas que foram do Rio Leça e o serpentear do seu leito contornando as viçosas margens, bem como a cor alva do Manto de Nossa Senhora do Bom Despacho, de Nossa Senhora da Caridade de Vermoim e Santa Luzia de Milheirós.
Moreira, Gemunde, Vila Nova da Telha, Vilar do Pinheiro e Lavra
Era uso e costume a cor verde nos lenços de Merino, por incidência das férteis campinas da Mata, numa extensa área que vai da Praia da Memória, até ao Mindelo; e de Lavra, ao Mosteiro de Moreira. Quando alguma rapariga ou senhora desconhecida se apresentava em qualquer feira ou romaria, com determinado traje, era logo identificada a sua freguesia pela cor do seu Lenço de Merino.
Fonte: “Antologia Usos e Costumes do Douro Litoral” – Manuel Gens